Sustentabilidade Cultural de Longo Prazo: Fundos Patrimoniais e Lei Rouanet
- Luz e Ferreira Advogados

- Nov 3
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A busca pela sustentabilidade financeira é essencial para o setor cultural. Nesse contexto, os Fundos Patrimoniais (endowments) se apresentam como um mecanismo de garantia de recursos perenes. O marco legal para sua constituição no Brasil é a Lei nº 13.800, de 2019, que autorizou as Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais (OGFPs) a arrecadar, gerir e destinar doações para apoiar instituições em diversas áreas de interesse público, incluindo a cultura, a educação e a saúde. Essa lei define o endowment como um conjunto de ativos privados cuja finalidade é gerar recursos de longo prazo, por meio da preservação do capital principal e da aplicação de seus rendimentos em atividades de interesse público.
A integração desses fundos ao ecossistema da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) foi consolidada por regulamentação específica do Ministério da Cultura (MinC) pela recém-publicada Instrução Normativa MinC nº 26, de 10 de outubro de 2025. Essa IN estabelece os critérios para a captação de recursos via Rouanet para a constituição de endowments, exigindo que a iniciativa seja conduzida por uma OGFP, entidade que, conforme a Lei nº 13.800/2019, possui finalidade exclusiva na gestão do patrimônio, em benefício de uma instituição cultural sem fins lucrativos.
O mecanismo de operação desses projetos, amparado pela IN nº 26/2025, inicia-se com a destinação incentivada de recursos. Doadores (pessoas físicas ou jurídicas) utilizam parte de seus limites de incentivo fiscal para a formação do patrimônio do fundo. O uso desses recursos é regido pelo instrumento de parceria firmado entre a OGFP e a instituição apoiada, ou pela organização executora. A Organização Gestora de Fundo Patrimonial (OGFP) é, então, responsável por receber e investir o capital principal captado. A instituição cultural apoiada usufrui do projeto ao receber, de forma contínua, apenas os rendimentos gerados por esses investimentos, utilizando-os para financiar suas atividades ou programas, enquanto o capital principal é preservado.
A Instrução Normativa nº 26/2025 aborda a compatibilidade entre a estrutura de capitalização do fundo e as demais modalidades de fomento da Lei Rouanet, como os Planos Anuais e Plurianuais de Atividades. É relevante que a regulamentação harmonize a dinâmica de longo prazo dos endowments com a necessidade de planejamento de execução de curto e médio prazo das instituições.
De fato, a relação é de complementaridade. Enquanto projetos avulsos e Planos Anuais/Plurianuais são veículos para captação de recursos destinados à execução imediata, os projetos de Fundo Patrimonial são focados na capitalização e estabilidade. Os rendimentos obtidos pelo fundo, uma vez liberados para a instituição apoiada, podem ser integralmente alocados para custear ou fortalecer os próprios Planos Anuais ou Plurianuais da entidade, transformando o endowment em uma fonte de receita recorrente e previsível.
Além dos critérios de captação, a IN nº 26/2025 impõe regras de gestão, como a vedação da realização de despesas com remuneração para captação de recursos para projetos de constituição ou ampliação de fundos patrimoniais (art. 19), e limitações quantitativas para a não-concentração de projetos (art. 7º).
Acerca da tributação, a manifestação da Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 178/2021, esclareceu o regime fiscal das OGFPs, tendo estabelecido que as entidades gestoras de fundo patrimonial não fazem jus às imunidades constitucionais devidas às instituições de ensino, assistência social e saúde, dado o caráter subjetivo da imunidade e o fato de as OGFPs serem pessoas jurídicas distintas das instituições apoiadas.
Neste cenário, as OGFPs podem se qualificar à isenção do IRPJ e da CSLL, desde que cumpram todos os requisitos da Lei nº 9.532/1997. Além disso, estão sujeitas ao PIS sobre a folha de salários, à alíquota de 1%, e à COFINS apenas sobre as receitas não derivadas de suas atividades próprias. Outro ponto relevante é que, em relação aos novos tributos instituídos por ocasião da reforma tributária (IBS/CBS), a Lei Complementar 214 estabeleceu que os Fundos Patrimoniais não são contribuintes.
Em conclusão, a Instrução Normativa MinC nº 26/2025 representa um passo prático na integração da sustentabilidade (Lei nº 13.800/2019) ao sistema de incentivo fiscal da Rouanet. Ao financiar a capitalização de endowments, o sistema cumpre a dupla função de apoiar projetos pontuais e, simultaneamente, estruturar a base financeira de longo prazo de instituições como museus, companhias e orquestras, contribuindo para que a cultura se mantenha vital e economicamente estável para as próximas gerações.
por Heitor Ferreira, Sócio-Fundador. Especialista em Direito Tributário pela PUC-Rio. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes.






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